segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Sem pimenta, por favor


É a frase que você precisa repetir pra não queimar a língua na Tailândia. No mais, dá para ser feliz com pouco no país mais idílico e sexy do Sudeste Asiático. Que tal um prato de noodles com camarão por meio dólar?

A reportagem é de Adriana Setti, repórter da revista Viagem.


Uma lufada de ar úmido a mais de 35 graus era o sinal de que Bangcoc estava ali, assustadora, desafiando-me em plena madrugada. Depois de alguns vaivéns ao redor da lendária Khao San Road, uma espécie de gueto ocidental de Bangcoc, o taxista finalmente encontrou o lugar que eu havia reservado pela internet. Uma biboca de dar medo. Caminhando por um beco escuro onde o táxi não cabia mais, cruzei com um exército de baratas robustas e bem alimentadas até trancafi arme em meu quartinho de paredes acinzentadas. O ar-condicionado emitia o ruído de uma turbina de avião. Dormi querendo a minha mãe.

Amanheceu. E a cidade que serviria de entrada a uma expedição de um mês pelo país mais visitado do Sudeste Asiático mostrou sua faceta mais doce. Eu já estava batizada. Havia constatado, na pele, por que o guia Lonely Planet recomenda investir mais em hospedagem nos primeiros dias (eu havia pago 6 dólares por aquele cafofo) até que corpo e alma estejam em sintonia com o "nível básico" tailandês de conforto, capaz de ajustar-se ao mais minguado dos orçamentos.

Cheiros, cores, caos, luz, calor, sorrisos, mar, poeira, delicadeza, desafi o. A Tailândia é céu e inferno. E aí está a graça. Viajar livremente pelo país com poucos planos e o coração aberto (e também pouco dinheiro se for o caso) é uma imersão em um novo mundo e na sensação de estar sendo o primeiro a pisar em cada palmo de chão, ainda que esteja cercado por uma multidão de farangs como você. Experimentar a Tailândia é queimar a língua nos mais furibundos dos curries até aprender a dizer "no spicy" (pronuncia-se "no sapaaaaiciiiii") em tai-inglês. É ver os olhos dos locais brilharem ao falar do rei, sua majestade Bhumibol Adulyadej, que ocupa o trono há mais de 60 anos. É dormir num bangalô na praia mais linda da sua vida e acordar com um gueko (uma espécie de lagarto psicodelicamente colorido) gritando no seu ouvido. É ter vontade de abraçar cada pessoa que lhe faz uma delicadeza e expressar isso num singelo wâi, o inclinar de cabeça que substitui o contato físico. É rezar para que mais um golpe de Estado não aconteça durante a sua viagem. É apostar sem medo em infinitas possibilidades de acertos e erros e viver dias de delícia, surpresas e sensações nunca dantes navegadas. É perder a virgindade de novo.

BANGKOK
Se você acha que já viu de tudo nesta vida, espere até chegar a Bangcoc. A capital da Tailândia é uma megalópole onde se esbarram diariamente algo em torno de 6 milhões de almas (10 milhões na Grande Bangcoc) e onde religião e paganismo, pandemônio e modernidade convivem em uma harmonia caótica que um visitante de primeira viagem certamente não será capaz de decifrar por completo. A menos que você tenha nascido com um GPS acoplado ao cérebro, orientar-se na cidade renderá a sensação de "nunca mais chegarei ao hotel" pelo menos cinco vezes ao dia. Os nomes das ruas podem ser "ocidentalizados" em mil versões diferentes e, quando uma placa aparece milagrosamente em seu caminho, o nome da rua provavelmente não será bem aquele estampado no seu mapa. Relaxe e ria de si mesmo, que um dia você chega ao lugar que pretende.

Dar uma volta de tuk tuk, o lendário táxi de três rodas, é um clichê necessário. Mas não o encare como um meio de transporte eficiente para chegar aonde realmente pretende (os motoristas ganham comissões para cada cabeça que conseguem arrebanhar para as lojas de seda ou suvenires). Pegar um táxi pode não ser tão pitoresco, mas, caso logre fazer com que o taxímetro seja ligado, a corrida sai em conta e você poupa os seus pulmões de muita fumaça, a mesma que ajuda a engrossar a neblina marrom que cobre o céu da cidade. Outro jeito "sem emoção" de se locomover é usar o moderníssimo Skytrain (que infelizmente só abrange parte de Bangcoc) e os barcos que navegam pelo Rio Chao Phraya, à beira do qual ficam os templos mais importantes e alguns dos hotéis de luxo.

Ao mesmo tempo, o caos das ruas é uma das melhores dimensões da cidade. São tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo que, no fim do dia, o cérebro parece implorar por um lugar tranquilo e confortável para processar tanta informação. Deixe a economia para os bangalôs simples à beira-mar, menos hostis que os quartos econômicos sem janela onde muita gente se entoca nos arredores da Khao San Road.

A Khao San, diga-se, é uma atração às avessas: um lugar qualquer que se tornou uma espécie de megagueto ocidental, em que os mochileiros se entrincheiram como se fosse necessário procurar a proteção dos iguais contra as garras da louca cidade. E essa maçaroca de néons e turistas acuados acabou virando algo que vale ser vivido. Tenha em mente que tudo o que se vende por ali tem grande chance de ser fajuto e superfaturado, incluindo aí as moçoilas de pés 42 que circulam pelas esquinas, os pacotes turísticos, as bolsas Louis Vuitton, as carteiras de estudante, de motorista...

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